Atravessar a própria solidão

Ofereceram-me o livro  “Atravessar a própria solidão” de Carlos Maria Antunes. Quando, no contexto de uma refeição, mostrei o livro, tive duas reacções que me surpreenderam:
– Eu não preciso porque não tenho problemas desses – disse-me alguém. E outra pessoa, o meu marido, olhou-me com uns olhos que diziam “E tu tens?”


Destas interpelações surgiram-me duas interrogações:
– Como assumimos esta dimensão da solidão em nós?
– De que forma responsabilizamos os outros e/ou os outros se sentem responsáveis por fazermos experiência desta dimensão?

Embora alguns de nós possamos cair na tentação de dizer que não temos “problemas destes”, é um facto que experimentamos a solidão no dia a dia:
– Nos desencontros com os outros; quando não percebemos o outro ou ele não nos percebe; quando não conseguimos amar, quando não nos experimentamos amados/respeitados.
– Em momentos de crise – social ou pessoal – em que não nos conseguimos  identificar com mais pessoas “no mesmo barco”.
– Em momentos de encontro existencial intenso em que passamos a “entender” de outra forma. Aqui cabe a Oração, aqui cabe a passagem da Morte à Ressurreição.

Jesus disse aos seus discipulos: “Ficai aqui, enquanto Eu vou orar”. Tomou consigo os mais intimos – Pedro, Tiago e João – e começou a sentir pavor e a angustiar-se. Adiantando-se um pouco , caiu por terra e orou para que passasse aquela hora”.
Mc 14 32-42 

Temos três círculos – os discipulos, os íntimos, e o lugar em que nínguem entra. Nem os mais íntimos. Esse é o lugar privilegiado do encontro com Deus. Provavelmente, se Jesus não se tivesse adiantado um pouco, sustentaria a sua confiança, naquele momento de angustia, em quem o acompanhava – Pedro, Tiago e João.

Nós caímos nessa tentação:
– esperando que o nosso marido/mulher encha o vazio que há em nós.
– esperando que reconheçam o nosso trabalho;
– esperando que a vida seja justa;
– alimentando a ideia de que vamos encher o vazio/expectativas/ sedes dos nossos filhos;
– tornando-nos resposta/ “deuses” para as pessoas que nos procuram.

Onde nos colocamos? Em que círculo? Em quem colocamos a nossa confiança?
Um passo adiante é aguentarmos a noite, o silêncio, a morte, a ausência; a pergunta.

Abba, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice; mas não se faça o que eu quero mas o que tu queres.”
É a morte que permite fazer renascer Homens segundo um novo Espírito. 
É a solidão que permite a comunhão . 
Reconhecendo o Pai, da solidão sai entrega, uma nova dimensão, a passagem para o outro lado.

Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro: “Simão, dormes? Nem uma hora pudeste vigiar!”
Jesus experimenta o sentimento de abandono da parte dos seus íntimos.
Os seus amigos dormiam. É a alienação, a fuga da situação, o não enfrentar, o não conseguir resposta à situação.
Vigiai e orai para não cederdes à tentação; O espírito está cheio de ardor mas a carne é débil.
Também nós acreditamos, pregamos, anunciamos…entregamos a vida, mas a nossa carne é débil.

Retirou-se de novo e orou, dizendo as mesmas palavras.

E voltando de novo, encontrou-os a dormir porque os seus olhos estavam pesados; e não sabiam responder-lhe.
– É o limite da resposta humana/ a expectativa infinita que a resposta seja humana. Ainda que acreditemos, procuramos respostas humanas: Porque é que as pessoas e as situações nos arrasam da forma como nos arrasam?
– Em quem colocamos a nossas confiança? Damos o passo adiante como deu Jesus?

Voltou terceira vez e disse-lhe: “Dormi agora e descansai! Pois bem, chegou a hora. Eis que o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores”.
Jesus passou para outra dimensão. Chegou a hora. Teve que experimentar a solidão. E Deus “habitou-o”.
– Como experimentou Jesus a solidão? Como experimento a solidão? Qual é o meu lugar?

Façamos memória das experiência de Salvação que já vivemos ,e (re)coloquemo-nos  no lugar em que Deus nos possa habitar.

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