Constituições Verbum Dei


I. IDENTIDADE

“Dedicar-nos-emos à oração e ao ministério da Palavra” (Act 6, 4)

1. A FRATERNIDADE MISSIONÁRIA VERBUM DEI, fundada pelo Revo Padre D. Jaime Bonet Bonet e aprovada no ano de 1969, é um Instituto de vida consagrada contemplativo-activa plenamente apostólico-missionária. O seu objectivo e finalidade é formar apóstolos de Cristo entre pessoas de todos os estados de vida, sexo, raça e condição social [1].

2. A Fraternidade Missionária Verbum Dei é parte da FAMÍLIA MISSIONÁRIA VERBUM DEI, à qual pertencem outros fiéis que compartilham a mesma espiritualidade e missão. A Fraternidade configura-se numa estrutura única e unificada que compreende:

O Ramo de Missionários, formado pelos membros masculinos celibatários, clérigos e laicos, que se consagram a Deus por meio de profissão pública de votos de pobreza, castidade e obediência, que vivem em comunidade e em total disponibilidade missionária;

O Ramo de Missionárias, formado por membros femininos celibatários que se consagram a Deus por meio de profissão pública de votos de pobreza, castidade e obediência, que vivem em comunidade e em total disponibilidade missionária.

Os Casais Missionários, que se consagram a Deus através do sacramento do Matrimónio e de um compromisso solene que os vincula.

3. A Fraternidade conta, além disso, com a participação de Casais-Missionários Verbum Dei, que poderão associar-se temporária ou perpetuamente à Fraternidade por um compromisso de total disponibilidade para se dedicar ao carisma e missão Verbum Dei.

4. A todos nos une o mesmo ideal e compromisso mútuo de aspirar à perfeição da caridade [2] e de propagar, por meio do ministério da Palavra, este mesmo amor fraterno, núcleo vital do Reino de Deus [3], por todo o mundo. Mutuamente nos comprometemos a ajudarmo-nos no seguimento radical de Cristo e a imitá-Lo na sua forma de vida e na sua missão.

5. O ponto de partida, consistência e vínculo de união na Fraternidade é a união com Deus em Cristo de cada um dos seus membros [4]. Procuramos, assim, expressar o Reino de Deus que queremos propagar, como objectivo próprio da nossa missão de pregar o Evangelho, e desta maneira expressar a Igreja, Corpo de Cristo, na qual convivemos todos na mesma Vida-Amor, manifestada por Cristo e que procede da Trindade.

6. A Fraternidade Missionária Verbum Dei procurará que todos os seus membros consigam, individualmente e como Ramo, a maior eficácia na propagação, crescimento e consolidação da fé em todos os países. Seguirá as directrizes da Santa Sé, respeitará sempre as orientações dos Pastores da Igreja Católica, estará atenta ao “sinal dos tempos” [5] e aberta ao constante dinamismo renovador do Espírito, guia e fonte de vida [6].

7. A função dos Ramos determinará a maior eficácia apostólica que impulsione os membros da Fraternidade Verbum Dei – homens e mulheres – a viver o Reino e a ajudar a vivê-lo, a fazer e a “fazer fazer”, com grande respeito pelas pessoas, a fim de que todos compartilhem a Vida de Deus, na medida dos seus talentos e carismas.

[1] Cfr. Mt 28, 19-20 | [2] Cfr. LG 40. 42. | [3] Cfr. Jo 13, 34-35; 15, 12. 17. | [4] Cfr. LG 7. | [5] Mt 16, 3 | [6] Cfr. Ef 4, 23; LG 7. 9; UR 2.


II. CARISMA ESPECÍFICO

8. A maior eficácia no anúncio e propagação do Reino – através da oração, ministério da palavra e testemunho de vida evangélica – determinarão o espírito, a formação, a forma de vida e de actuação, métodos e instrumentos de apostolado, critérios de vocação, aptidões e qualidades dos membros da Fraternidade Missionária Verbum Dei.

9. Poremos todo o nosso empenho para que todos “cheguem ao conhecimento da verdade” [7] e sejam, saibam e se sintam irmãos, filhos de um mesmo Pai, com os mesmos direitos e deveres. O nosso grande ideal será fazer das nações discípulos de Cristo [8], que possam, por sua vez, proclamar com a sua vida e a sua palavra [9], a Boa Nova do Reino [10] e as maravilhas de Deus [11].

10. Conscientes de que a pregação da Palavra viva de Deus põe as pessoas em contacto com Cristo e de que fazemos discípulos de Cristo quando elas O “conhecem” e O seguem, fazendo, por sua vez, outros discípulos, a Fraternidade Missionária Verbum Dei, com o lema dos primeiros discípulos de Jesus: “Orationi et ministerio verbi instantes” [12] e o espírito da primeira comunidade cristã, concretiza e centra a sua missão específica na Palavra de Deus; Orar a Palavra, assimilando-a até fazer dela a nossa própria vida, transformando-nos nela e ensinando-a assim a todos [13], para que também estes a rezem, a vivam e a ensinem vivencialmente aos outros [14].

11. O próprio nome “Verbum Dei” lembrar-nos-á constantemente a nossa nobre tarefa: reproduzir e revelar, de forma vivencial, pessoal e comunitária, o rosto de Deus uno e trino, identificando-nos o mais possível com o Verbo de Deus feito homem. Entenderemos a vida verdadeiramente apostólica, como uma vida abundantemente contemplativa que, necessária e espontaneamente, propaga como fogo abrasador, a palavra transformada na Vida e no Amor de e por Cristo derramados. Este mesmo amor de Cristo nos apressará a proclamar a Palavra e a exercer o ofício de evangelizador [15] com o dever e a urgência do Apóstolo das gentes: “Pregar o Evangelho não é para mim nenhum motivo de glória; é antes um dever que me compete. E ai de mim se não pregar o Evangelho” [16].

[7] 1 Tim 2, 4 | [8] Cfr. Mt 28, 19 | [9] Cfr. 1 Tim 4, 12 | [10] Cfr. Lc 4, 43; 9, 6 | [11] Cfr. Lc 1, 49; Act 2, 11 | [12] Act 6, 4 | [13] Cfr. Mt 28, 20 | [14] Cfr. 2 Tim 2, 2 | [15] Cfr. 2 Tim 4, 2-5 | [16] 1 Cor 9, 26


III. NA MESMA MISSÃO DA IGREJA

12. A razão de ser e actuar dos membros da Fraternidade Missionária Verbum Dei estará sempre na proporção à sua adesão e comunhão com a Igreja Católica. O nosso sentir habitual com a Igreja será a de um entranhável e efectivo amor filial para com a Mãe, que nos dá o ser e a vida e que nos confia a missão de compartilhar esta mesma Vida com todos os seus filhos, nossos irmãos: “Na medida em que se ama a Igreja de Cristo é que se possui o Espírito Santo”[17], Senhor e dador da Vida.

13. Na nossa vida cristã e de perfeição, assim como na nossa pregação e missão, reger‑nos‑emos em todo o lugar e tempo pelo Magistério da Igreja, mostrando sempre, por palavras e obras, um sincero amor ao Santo Padre e aos legítimos Pastores em todo o Mundo.

14. O nosso amor e inserção plena na Igreja de Cristo e a autenticidade do nosso zelo apostólico concretizar-se-ão na nossa colaboração e obediência, segundo as leis universais da Igreja[18], aos Bispos das Igrejas locais, onde generosamente exercermos o nosso carisma. Na nossa oração diária, unir-nos-emos às intenções do Sumo Pontífice e do Bispo do lugar onde estejamos a residir.

[17] OT 9 (Citando Sto Agostinho In Ioannem trac. 32, 8). | [18] Cfr. cân. 678; 756 § 2


1. Oração

15. A Palavra de Deus, escutada, assimilada e vivida, transmite-nos a mesma Vida de Deus[19] e faz-nos UM com a Palavra viva, Cristo[20]. Neste diálogo íntimo com a Palavra, ou oração, radica a nossa vocação e missão de pregação do Evangelho. A Palavra de Deus, acreditada e falada, e que por se acreditar não se pode deixar de falar[21], constitui a genuína identidade Verbum Dei.

16. A nossa missão apostólico-missionária, de acolher e transmitir o Amor-Vida de Deus a todos os homens, implica necessariamente uma vida abundantemente contemplativa. Tanto o verdadeiro seguimento pessoal de Jesus, como a realização de uma genuína fraternidade cristã, não podem nascer em cada pessoa senão da união vital com Deus em Cristo[22]. Do mesmo modo, o ministério da Palavra receberá toda a sua eficácia da união do apóstolo com Cristo, de acordo com a vida e os ensinamentos do mesmo Jesus: “O que permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque separados de mim nada podereis fazer”[23]; “Permanecei no meu Amor”[24].

17. A fidelidade à nossa missão específica do exercício do ministério da Palavra exige-nos uma formação teórico-prática, intensa e prolongada, no exercício da oração, da vida de oração e da caridade crescente.

18. Esta vocação e estado de vida tornar-se-ão fáceis, espontâneos e até fascinantes, a quem se proponha, séria e humildemente, pôr da sua parte os meios que, sem dúvida, o introduzirão na sublimidade do conhecimento de Cristo[25] e no sentido e realização da sua vida em Deus[26].

19. Como Jesus, a quem seguimos o mais perto possível, não desempenharemos uma missão por conta própria, mas a que Ele nos confia e como Ele nos indica[27]. Não transmitimos ideias nem palavras próprias, mas aquelas que o Pai, em Jesus Cristo, e pelo Espírito, nos disse e como Ele nos fala[28]. Transmitimos o que, por Cristo, com Ele e Nele contemplamos. Comunicamos, proclamamos e propagamos o que Dele ouvimos, experimentamos, vimos, gostamos e conhecemos sobre a Palavra de Vida[29]. A nossa Vida eterna e a de muitos depende do contacto, comunhão e transmissão vital que surgem unicamente da oração ou do diálogo vivo com Cristo[30].

20. Certamente a nossa missão de ministério da Palavra, rectamente entendida e fielmente proclamada, é geradora e transmissora de Vida, convertendo-nos em doadores e administradores da Vida de Deus para muitos[31]. Implica e requer traduzir a nossa vida diária na mesma Pessoa de Cristo, compartilhando e convivendo com a sua mesma Vida-Amor. Está aqui o sentido exacto da consagração da nossa vida ao Cristo Total. É comunhão plena de Vida com Cristo para com todo o seu Corpo, durante toda a caminhada e para sempre; como hóstia e vítima unida ao sacrifício e sacramento eucarístico, até à nossa total transformação Nele[32].

21. Ser Jesus é, com efeito, o supremo ideal que, com toda a justiça, apresentamos a toda a gente na nossa pregação e apostolado. Este foi o desígnio de Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos elegeu Nele antes da criação do mundo e nos predestinou para reproduzirmos a imagem de seu Filho[33]. Em comunhão com Jesus, entregue por todos nós, devemos transmitir só o Amor-Vida de Cristo, sem adulteração nem diminuição, tornando realidade as palavras de Jesus: “Quem vos escuta, a mim me escuta”[34]. “Quem vos recebe, a mim recebe”[35].

22. Não emana de nós a Vida que estamos chamados a dar a muitos, como fim próprio da nossa vocação ao ministério da Palavra. É o próprio Jesus que nos chama, nos escolhe e nos envia a dar este fruto da Vida[36] e reclama insistentemente, como condição de vida ou morte, a nossa união vital com Ele[37]; sintetiza e remata estes convites, insistências e súplicas com este imperativo: “Permanecei no meu Amor”[38].

23. Dedicaremos ao exercício diário da oração um interesse não inferior ao que dedicarmos à actividade própria do ministério da Palavra. Por fidelidade a Jesus Cristo e à Sua Igreja, e pela própria realização no amor a Cristo e aos irmãos, não poderemos nunca confundir nem substituir, de modo algum, o nosso exercício de oração pessoal, de diálogo íntimo com Cristo, com o exercício e actividade que suporta a formação, estudo, pregação e ensino teórico-prático da mesma oração.

24. Como membros da Fraternidade, dedicaremos o maior tempo possível à Palavra de Deus, rezada, assimilada, vivida, estudada e transformada em vida para os outros e, para isso, comprometemo-nos a:

Diariamente:

  • Exercício de três horas de oração pessoal.
  • Participação na Eucaristia.
  • Oração do Rosário.
  • Exame de consciência diário.
  • União à nossa Mãe, a Igreja, na sua oração oficial da liturgia das Horas por todos os membros do Ramo de Missionários e Laudes e Vésperas pelo Ramo de Missionárias.

Semanalmente:

  • No dia mais oportuno, dedicaremos quatro horas seguidas à oração pessoal.
  • Revisão de vida.

Também temos:

  • Mensalmente dedicaremos um dia inteiro, desde a véspera, à oração em completo retiro.
  • Anualmente praticaremos um mês de exercícios espirituais em completo retiro, dirigido por membros da Verbum Dei.
  • Iremos frequentemente ao sacramento da Reconciliação.
  • Alguns destes atos serão em comum, segundo as normas do diretório, onde se poderão especificar outros momentos de vida de oração de acordo com a situação de cada pessoa e comunidade.

25. Todos os membros praticarão assiduamente a direção espiritual ou abertura, como meio imprescindível de discernir a luz do Espírito e a vontade do Pai em cada circunstância e situação independente da nossa própria vontade e querer[39]; seria impossível viver, sentir, pensar e amar como Jesus sem uma forte delicadeza de consciência e recta formação da mesma.

26. A Fraternidade Missionária Verbum Dei tem, como meio habitual e prático de viver e propagar a sua espiritualidade própria, o MÊS DE EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS em completo retiro, que os seus membros praticam invariavelmente, todos os anos.

27. O mês anual de exercícios espirituais em completo retiro é, para a Verbum Dei, o único instrumento com o qual o Espírito Santo vai configurando e actualizando permanentemente a fisionomia e carácter próprio do mesmo: Casa de oração e Escola permanente da Palavra orada que se prega. Desta evangelização, fruto do nosso exercício diário de oração e da nossa vida orante, alimenta-se e propaga-se o carisma próprio Verbum Dei como contemplativo‑apostólico‑missionário para viver e ensinar a viver a oração que tenha como fruto próprio a pregação da Palavra viva de Deus. Desta actividade missionária formar-se-á a fraternidade universal no mesmo amor de Cristo.

[19] Cfr. Jo 5, 24; 8, 51 | [20] Cfr. Jo 17, 8.22 | [21] Cfr. 2 Cor 4, 13 | [22] (…) | [23] Jo 15, 5 | [24] Jo 15, 9 | [25] Cfr. Fl 3, 8 | [26] Cfr. Cl 3, 3 | [27] Cfr. Jo 5, 19.30; 7, 28-29 | [28] Cfr. Jo 12, 49-50 | [29] Cfr. 1 Jo 1, 1-2; Sl 34, 9 | [30] Cfr. Jo 3, 36; 6, 47; 11, 25 | [31] 1 Pd 1, 23; 1 Cor 4, 1-2 | [32] Cfr. Rom 12, 1; LG 26 | [33] Cfr. Ef 1, 3-6; Rom 8, 29 | [34] Lc 10, 16 | [35] Mt 10, 40; Cfr. Mc 9, 37; Lc, 9, 48; Jo 13, 20 | [36] Cfr. Jo 15, 16 | [37] Cfr. Jo 15, 4-5 | [38] Jo 15, 9 | [39] Cfr. Is 55, 8-9


2. Ministério da Palavra

28. A busca da vontade de Deus, o seguimento de Jesus e o sentir da sua Igreja orientam e centram a nossa vida, pessoal e comunitária, na oração e ministério da Palavra. Livres de qualquer compromisso com o mundo e deixados toda a afeição e interesse próprios, dedicar-nos-emos a tempo inteiro à vivência e ao anúncio do Reino de Deus com a entrega e exclusividade dos primeiros discípulos-apóstolos de Jesus, formados por Ele pessoalmente: “Dedicar-nos-emos a tempo inteiro à oração e ao ministério da Palavra”[40].

29. Queremos assim seguir a Jesus na sua plena dedicação ao anúncio do Reino, com a radicalidade e presteza que Ele exige a quem quer ser seu discípulo; sem que nada nem ninguém nos separe nem distraia da nossa missão concreta de oração e ministério da Palavra[41].

30. Viveremos o Reino como o único absoluto e necessário, e proclamá‑lo‑emos gratuitamente[42], a tempo e a destempo, com a vida e a Palavra[43]. Acolheremos assim o mandato de Jesus a todos os homens: “Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e todas as outras coisas vos serão dadas por acréscimo”[44].

31. É a nossa resposta à insistente chamada da Igreja à propagação da fé em todo o mundo, conscientes de que, como dizia Paulo: “A fé vem de ouvir, da pregação e como hão-de ouvir sem alguém que o anuncie e como o hão-de anunciar se não forem enviados?[…] Portanto a fé vem da pregação e a pregação surge pela Palavra de Cristo”[45].

32. Perante a situação do mundo e ouvindo o clamor dos membros de Cristo, nossos irmãos, sentir-nos-emos totalmente interpelados pela urgência da missão. E, nem que trabalhássemos dia e noite, o nosso tempo seria suficiente para os atender. Teremos de nos agarrar ao Cristo total – Cabeça e membros – e teremos de lhe pedir que mande operários para tamanha tarefa[46].

33. Só a entrega total e a tempo inteiro à missão e ao envio de Jesus – “Eu vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto e fruto que permaneça”[47] – dará realização plena à vocação e verdadeiro sentido à nossa vida. Só então se percebe, enche e fascina a vocação que agarra a pessoa e acaba por ocupar todos os momentos do dia e da noite, numa actividade vivida e sentida em toda a sua plenitude, sem compartimentos nem interferências[48].

34. Só se entende e vive a vocação quando o gozo da própria vida em Cristo[49] se une ao gozo pleno da mesma vida nos irmãos: “Escrevemo-vos isto – disse o apóstolo e evangelista João – para que o nosso gozo seja completo”[50]. Também o primeiro apóstolo, precursor de Cristo, disse: “Esta é , pois, a minha alegria! E tornou-se completa”[51].

35. A partir de uma vida verdadeiramente orante, a Palavra que se escuta e a Palavra que se transmite deverão unificar-se de tal forma que constituam uma mesma e única actividade – uma mesma e única Vida-Amor – a mesma e única Palavra: Cristo. Então o tema é Cristo e Cristo é quem dá o tema. Oração e missão constituirão assim uma única e mesma vida que, ao transmitir-se, converte toda a nossa existência em Palavra viva de Deus.

36. Só podemos contagiar com o que dizemos e aconselhamos na medida em que oramos e vivemos o que dizemos. A nossa pregação reflectirá o nível da nossa fé[52] e da nossa vida de oração. Por esta razão existe uma relação íntima e uma dependência recíproca entre a nossa contemplação e a nossa acção apostólica, entre a oração e o ministério da Palavra. Com toda a justiça anunciaremos a Palavra de Deus íntegra e pura, reconhecendo humildemente que a verdade e a graça estão no Senhor e não em nós. A nossa pregação é o que for a nossa união com Deus.

37. A união com Cristo é a melhor fonte de energia, entusiasmo e gozo do apóstolo[53]. Este tratamento familiar de afectuosa intimidade oferece-nos, aliás, os melhores temas; imprime no apóstolo uma pedagogia particular, um trato delicado e fino para adaptar e fazer acessível a todos a mensagem de Cristo.

38. A união existencial com Deus é a preparação sempre actuante, nova e actualizada, o argumento permanente, a palavra e a expressão mais certeira para a conversão e santificação dos homens. Da oração nasceram as iniciativas e a criatividade espontânea e fecunda, próprias do verdadeiro apóstolo de Jesus Cristo[54].

39. Por fidelidade a Cristo e por justiça e amor aos irmãos, a nossa pregação e todo o nosso apostolado não podem deixar de apontar, clara e decididamente, para Cristo. Como João Baptista, procuraremos diminuirmo-nos e desaparecer[55] para que, o mais depressa possível, conheçam o Senhor e fiquem a sós com Ele[56]. Daí que as nossas actividades apostólicas se orientem para levar as pessoas a um diálogo interpessoal, recolhido, a sós com Cristo, numa relação directa com a pessoa. A intervenção do autêntico missionário de Cristo, como o precursor de Jesus[57], irá diminuindo na medida em que a pessoa se relaciona a sós com Cristo, retirando-se quando o amor de Cristo o possua, o agarre, o seduza e o cative. Este é o trabalho próprio e característico do fiel missionário de Cristo.

40. O exercício do ministério da palavra, seja a que nível for, procura um processo de aproximação das pessoas a Cristo, na medida da capacidade e possibilidades de cada ouvinte. É um trabalho paciente de ensinamento e aprendizagem da oração, por meio do qual o apóstolo, mais do que com explicações teóricas, vai guiando pela mão o discípulo até à Pessoa de Cristo. Salvamos a pessoa quando a ensinamos a orar; Cristo terá um novo discípulo quando este, pela oração, consiga “conhecê-Lo” pessoalmente, não de ouvido, mas pela própria experiência[58]. Isto constituirá a plenitude da nossa alegria missionária[59].

41. Fiéis à mesma intencionalidade da Palavra de Deus e ao maior interesse do nosso Mestre, atenderemos o mandato e última vontade de Jesus: “Ide e fazei discípulos de todos os povos”[60], e ensiná-los-emos a guardar tudo quanto Jesus mandou[61]. Com o fim de que também eles sejam capazes, por sua vez, de fazer discípulos e de instruir outros, transmitindo assim, sucessivamente, a mesma missão de pregar o Evangelho que a nós nos confiou Jesus. Tentaremos que ninguém se sinta excluído, mas melhor administrador das incalculáveis riquezas, direitos e deveres próprios da sua identidade cristã, conferida pelo baptismo, de sacerdote, profeta e rei.

42. Consequentemente, os meios e métodos melhores para o exercício do nosso ministério da Palavra serão aqueles que melhor e mais rapidamente consigam nas pessoas o desprendimento e o deserto de tudo, de todos e de si mesmas, desejando que só Deus lhes fale ao coração e possam assim conhecê-Lo e com Ele desposar-se para sempre[62]. Os EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS serão, juntamente com as Escolas de apóstolos – meio usual de evangelização – o método de evangelização mais profundo e eficaz que usaremos no nosso ministério da Palavra.

43. Seguindo Jesus mais de perto na sua missão concreta de pregar a Boa Nova do Reino por todas as cidades[63], assim como o seu método e escala de valores, formaremos ESCOLAS DE APÓSTOLOS ao nível que os discípulos possam alcançar. Guiando-os para que aprendam a discernir a vontade de Deus[64], animaremos todos a aspirar à perfeição no amor[65] e a pregar a Boa Nova do Reino[66] na medida das suas possibilidades.

44. Nenhum meio nem método poderá alguma vez alcançar a força, convicção e vitalidade da palavra viva, pessoal e directa do missionário convencido e enamorado de Cristo, verdadeiramente humilde, possuído pelo Espírito, apaixonado pela glória do Pai e pelo amor a Maria, Mãe da Igreja. A íntima união do apóstolo com Cristo fará com que se sinta vitalmente ligado com todos os seus irmãos, com vínculos mais fortes que os da carne e do sangue. No seio da Igreja e a ela obediente, sentirá com ela o eco fraterno, são e doente, de todos os homens sem excepção nem discriminação alguma; com Cristo e como Ele, dará a vida pela mesma Igreja e pela fé dos nossos irmãos em todo o mundo.

45. Cada um dos Ramos da Fraternidade acompanha a perseverança e formação dos discípulos, a fim de que adquiram maior garantia espiritual e eficácia apostólica; estes serão atendidos por pessoas dos respectivos sexos e estados, tanto para o seguimento e promoção na fé, como para a conveniente consagração a Deus.

[40] Act 6, 4 | [41] Cfr. Lc 9, 60.62; Mt 11, 12; 1 Cor 6, 9-10 | [42] Cfr. Mt 10, 8 | [43] Cfr. 2 Tm 4, 2 | [44] Mt 6, 33 | [45] Cfr. Rom 10, 14-17 | [46] Cfr. Mt 9, 37-38 | [47] Jo 15, 16 | [48] Cfr. 2 Tm 4, 2; Act 18, 5; 20, 24 | [49] Cfr. Jo 15, 11 | [50] 1 Jo 1, 4 | [51] Jo 3, 29 | [52] Cfr. 2 Cor 4, 13 | [53] Cfr. Cl 2, 6-7 | [54] Cfr. Act 18, 9-11 | [55] Cfr. Jo 3, 30 | [56] Cfr. Jo 1, 35-37 | [57] Cfr. Jo 3, 27-30 | [58] Cfr. Jo 4, 42 | [59] Cfr. Jo 3, 30 | [60] Mt 28, 19 | [61] Cfr. Mt 28, 20 | [62] Cfr. Os 2, 21-22; Ef 5, 25b-32 | [63] Cfr. Lc 8, 1 | [64] Cfr. Rom 12, 2 | [65] Cfr. Mt 5, 48 | [66] Cfr. Lc 9, 2


3. Consagração e testemunho de vida

46. Seguindo muito de perto Jesus, que “começou a fazer e a ensinar”[67], procuraremos que a nossa pregação vá sempre precedida e acompanhada de um testemunho claro de vida evangélica que dê crédito e confirme a fé que pregamos e o Reino que queremos fazer presente entre os homens.

47. A nossa consagração e primeiro testemunho deve começar por apresentar, feita vida palpável, a existência de um Deus pessoal que, em Cristo, seduz, cativa e completa a nossa existência já neste mundo. Demonstrará, além disso, que a vivência do seu amor faz presente o Seu Reino entre os homens que se unam Nele, fazendo de todos Um. Isto é, com efeito, o distintivo e identidade dos verdadeiros discípulos, e a característica própria da comunidade cristã: “A multidão de crentes tinha um só coração e uma só alma”[68].

48. A pobreza, castidade e obediência, além de nos facilitarem esta vivência perfeita de Deus, pretendem, sem dúvida, ser um forte testemunho do poder, riqueza, gozo e plenitude de Deus no nosso coração. Mas estas opções teriam, em si mesmas, pouco significado se não nos vissem francamente apaixonados por este Deus e se não encontrassem em nós testemunhos pessoais da sua proximidade e presença.

49. Desta vivência flui o reproduzir exteriormente e de forma efectiva o Amor Trinitário de Deus na dinâmica da sua Encarnação, seguindo mais de perto Jesus: “Quem diz que permanece Nele, deve viver como Ele viveu”[69]. Esta vivência plena do Amor encarnado, palpável e evidente dá relevo à fraternidade cristã na pobreza, castidade e obediência, porque estas podem ser, além do mais, radicais e extremas de forma espontânea, necessária e feliz[70]. Assim se fará mais crível e convincente a nossa pregação, o nosso apostolado e a nossa presença pessoal e fraterna no mundo.

50. Perante a realidade palpável de uma humanidade dividida e de corações destroçados e vazios por ausência de Amor e de Vida divinos, é urgente que se implante a caridade de Cristo[71], com o maior relevo, presença do Reino da justiça, de amor e de paz; brindar este mundo com o poder do amor de Deus nos corações integrados e livres, cheios do Espírito de Amor, e oferecer a realidade de um povo de irmãos congregados numa Unidade, só por amor de Cristo, quer dizer, uma fraternidade simplesmente cristã. É o dinamismo próprio da nossa dedicação a tempo inteiro à nossa missão apostólico-missionária.

51. O nosso testemunho de vida começará logicamente pelas verdades e pela Vida que pretendemos propagar a todos os homens. Em primeiro lugar, seremos testemunhas do Reino: testemunhas do amor entre nós e da gratuidade deste amor, dando razão da origem e do manancial do amor pessoal de Deus, de que nos apercebemos e experimentamos através da oração e da relação interpessoal com Ele.

52. O nosso estilo de vida deverá ser a melhor prova de que só Deus une os homens na fraternidade e responde e preenche as aspirações e ânsias de amor do nosso coração. Seremos testemunhas, perante o mundo, de que quem conhece e tem este Deus não pode deixar de amar gratuita e fraternalmente todos os homens, porque nada lhe falta; só o Amor basta[72].

53. Para poder amar todos “sem acepção de pessoas”[73] e com a devida hierarquia de valores, adquirir “primeiro o Reino de Deus”[74], “saborear as coisas do alto”[75] e a recompensa do Pai do Céu[76], preferiremos ir desprendidos de nós mesmos, de pessoas e coisas, “sem alforje, nem calçado”[77], sem excessivas preocupações em relação ao dia de amanhã[78] ou preocupados com a opinião dos homens[79], sem medo de não ser “sábios segundo o mundo”[80], ou de ser odiados por ele[81], ou ainda de nos enterrarmos e apodrecermos como o grão de trigo, para que o fruto seja mais abundante[82].

54. Será sempre mais pedagógico responder com simplicidade a quem procure saber a razão da nossa esperança[83] do que impor verdades teóricas a quem não se interroga sobre a verdade nem sobre a vida daquele de que se fala. Por esta razão, hoje que a Igreja tem mais necessidade de testemunhas do que de mestres e, sobretudo, de mestres que sejam autênticas testemunhas, convém não ocultar a verdade evangélica, para que vendo as nossas boas obras glorifiquem o Pai e escutem a sua Palavra[84].

55. Vestiremos de forma simples e pobre, como os humildes do lugar, sendo sempre sinais dos pobres da terra. Os clérigos seguirão ainda as normas do cânon 669, parágrafo 2.

56. Na fidelidade à própria vocação e para dar melhor testemunho e ser sinal claro de pertença exclusiva do amor de Cristo, nós, membros da Fraternidade Verbum Dei, não teremos entre nós nenhum relacionamento de duas pessoas sós de sexo diferente, a não ser em companhia de uma terceira pessoa, tanto em público como em privado. Exceptua-se o confessor designado para administrar o sacramento da Reconciliação.

[67] Act 1, 1 | [68] Act 4, 32 | [69] 1 Jo 2, 6 | [70] Cfr. Sl 119, 32 | [71] Cfr. 2 Cor 5, 14 | [72] Cfr. Rom 13, 10 | [73] Ef 6, 9 | [74] Mt 6, 33 | [75] Cl 3, 1 | [76] Cfr. Mt 6, 1; 19, 29 | [77] Mt 10, 9 | [78] Cfr. Mt 6, 34 | [79] Cfr. 1 Ts 2, 4; Mt 16, 23; Gl 1, 10 | [80] Cfr. 1 Cor 1, 17-2, 5 | [81] Cfr. Mt 10, 22; Jo 15, 18.21 | [82] Cfr. Jo 12, 24 | [83] Cfr. 1 Pd 3, 15 | [84] Cfr. Mt 5, 16


4. Fontes de espiritualidade

57. As fontes da nossa espiritualidade, objecto da nossa especial devoção, estão baseadas na Sagrada Escritura, Tradição e Magistério da Igreja. São a habitação da Trindade em nós, a Santíssima Eucaristia, Cristo crucificado-Corpo Místico de Cristo e Maria.

58. A Trindade em nós constituirá e formará o primeiro lar, no qual nascem para a vida os filhos de Deus, no calor vital do seu amor. É a origem da fraternidade, “casa de oração para todos os povos”[85] e escola de oração dos verdadeiros discípulos de Cristo. Aí irrompe, dentro de nós mesmos, o manancial de água viva que salta para a vida eterna de muitos[86]. A presença amorosa da Trindade marca o ritmo do nosso viver fraterno com uma tonalidade totalmente nova e transcendente. A sua companhia é inefavelmente rica e amena em qualquer caminho ou encruzilhada. É o verdadeiro e permanente “viático”, o melhor companheiro de viagem, fermento e semente de fraternidades cristãs em todo o mundo.

59. As nossas Comunidades e Centros querem ser uma fiel transparência, ao alcance do homem de hoje e de todos os tempos, um “quase sacramento” da vida trinitária que do nosso interior irrompe visivelmente no mundo. Com tais meios, pela via e dinâmica própria da encarnação de Deus invisível, tentaremos revelar esta vivência do Reino já presente em nós, ou seja, a convivência inefável com a nossa verdadeira e eterna “Comunidade trinitária”.

60. Transformados pelo Espírito e por Ele habitados[87] e guiados, espontaneamente irradiamos o seu mesmo amor, gozo e paz[88]. A nossa carne e sangue, vivificados pelo Espírito Santo, produzem fecundidade em toda a Igreja. Fiel ao Espírito, a nossa vida abre-se como o lado de Jesus para gerar muitos à Vida de Deus. Ao ritmo do Espírito de amor, dono e senhor do nosso ser, a nossa tenda neste mundo estende-se por gerações sem fim[89] para vitalização de todo o Corpo de Cristo.

61. A Santíssima Eucaristia significa e realiza a união de todos os homens em UM. O seu fruto próprio é a comunhão[90]. É o sacramento e sacrifício fundamentalmente constitutivo da fraternidade cristã. Alimentado com o Pão Eucarístico, o apóstolo vai-se tornando irmão de todos os homens, criando assim fraternidade universal[91].

62. A Eucaristia é a forja onde, em íntimo diálogo transformador, se forma a genuína personalidade do missionário. Nela se configura a sua fisionomia interna, que o faz sua testemunha em todo o mundo. Perante o Sacrário, traduzimos e transformamos em vida as verdades da fé que devemos propagar vitalmente, até que todos “tenham vida e a tenham em abundância”[92].

63. O Amor do Pai, a voz do Espírito Santo, o diálogo constante com Jesus e o olhar atento de Maria projectam as nossas vidas e fazem-nos sentir a urgência de as aplicarmos integralmente sobre o Cristo crucificado de hoje, o Corpo Místico de Cristo.

64. O Cristo total – Cabeça e membros[93] – abre-nos à “composição de lugar” mais adequada à nossa oração e missão diárias. Este encontro pessoal e esta missão própria deixam-nos necessária e vivencialmente vinculados a este Cristo vivo que precisa de nós e chama todo o nosso ser; molda a nossa plena dedicação que unifica e integra toda a nossa pessoa e é a mola mais estimulante e a razão mais forte da nossa pregação. Esta torna-se então urgência inadiável e arrebata de forma premente todo o nosso amor esponsalício, paternal e maternal em favor dos membros sofredores de Cristo, os irmãos que mais sofrem no mundo.

65. Este Cristo Total, vivo e verdadeiro de hoje, é precisamente a causa e a primeira e principal razão da nossa vocação e missão, da nossa vida contemplativo-activa, tanto da fraternidade como de cada um em particular[94]. Por este Cristo real e vivo, quisemos renunciar a tudo, a todos e a nós mesmos, não por desejo de pobreza e solidão, mas pela intensidade deste seu amor a todos os homens[95].

66. Maria, Mãe de Deus e da Igreja, ocupará sempre um lugar único e decisivo, imprescindível e insubstituível, na Verbum Dei[96]. Maria impulsiona e guia o ritmo crescente da nossa vida de oração e apostolado, orienta e decide o desenvolvimento e configuração da nossa fraternidade, na sua dimensão eclesiástica e universal.

67. A presença da Mãe acompanhará as nossas laboriosas jornadas missionárias, sustentadas por uma fé viva e provada e pelo gozo de um esforçado amor redentor[97]. Ela fomentará a nossa vida com a máxima fecundidade apostólica, formando Jesus em nós e nos irmãos[98].

[85] Is 56, 7 | [86] Cfr. 1 Cor 4, 14 | [87] Cfr. 1 Cor 3, 16 | [88] Cfr. Gl 5, 22 | [89] Cfr. Is 54, 2 | [90] Cfr. LG 11 | [91] Cfr. LG 26 | [92] Jo 10, 10 | [93] Cfr. 1 Cor 12, 12-27 | [94] Cfr. Gl 2, 19-20; 4, 19 | [95] Cfr. 2 Cor 8, 2-9; 1 Jo 2, 6 | [96] Cfr. LG 61; 62 | [97] Cfr. Lc 1, 45; Jo 19, 25-27 | [98] Cfr. LG 64