A Dor Humana a luz da paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo

Pelo início da Semana Santa e por aquilo que ela, para nós cristãos, significa, e também por aquilo que pode vir a significar para todo aquele que se pergunta pelo sentido do sofrimento e da dor humana, gostava de, nesta ocasião, abordar este tema da dor e do sofrimento à luz da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Para já é a existência da dor, do sofrimento e do mal o que mais questiona a existência de Deus. Mas também é justo dizer que é difícil vivê-los sem que Alguém lhes dê sentido!

Considero que parte da dor humana é provocada por nós próprios, por decisões mal tomadas ou por falta de decisões a tempo. Talvez o exemplo seja banal, mas pode ser elucidativo: se há mais de uma semana que percebo que os travões do carro não funciona, e não decido, quanto antes, a ir a uma oficina corro o risco de sofrer um acidente. Nesse caso seria injusto dizer: “Deus castigou-me”, porque fui eu que não tomei uma decisão a tempo. Imensas vezes culpamos Deus por factos que não tinham de acontecer daquela maneira.

Há também outro tipo de sofrimento que poderíamos evitar se fossemos fieis ao melhor de nós próprios, a esse imperativo ético que ressoa dentro de nós, sejamos crentes ou não, e sempre que a nossa consciência não esteja muito adulterada, e que é: “Faz o bem, evita o mal”. Se simplesmente tivéssemos presente este princípio nas nossas relações e decisões evitaríamos muitos sofrimentos.

Nós não temos outra maneira de ser homens e mulheres profundamente humanizados senão na relação; é ela a maior fonte de alegria, mas também a maior fonte de sofrimentos. Se as nossas relações humanas, sejam elas familiares, sociais, laborais, de amizade… estivessem organizadas sobre o postulado do entendimento, do respeito pelo diferente, do diálogo… com certeza essas relações levar-nos-iam ao crescimento como pessoas. Mas temos mais do que experiência de que a maioria das nossas relações se estabelece na base de atitudes de competitividade, de comparação, de suspeita do outro, de defesa dos meus interesses ou dos interesses do meu grupo (somos educados assim pela sociedade individualista e competitiva actual, mas também nos deixamos educar assim), e, então, a relação que se estabelece é a de “eliminar” o outro ou a de se defender do outro.

Muitos sofrimentos seriam evitáveis se decidíssemos viver de outra maneira, a partir da cordialidade, da aceitação da diferença (como riqueza e não como ameaça), em definitivo, introduzindo o amor no tecido sócio-relacional humano.

Vivemos num mundo de agressividade, de turbulência, de insatisfação, de terrorismo, não só de armas mas também de palavras, imagens, etc., e, no entanto, a humanidade nunca teve tantas coisas e tantos espectáculos. Mas diminui a temperatura do amor no tecido sócio-relacional em todos os âmbitos: na família, na sociedade, nos lugares de trabalho, etc.

Dizem alguns analistas que estamos numa crise de civilização e nas “dores e parto” de um novo paradigma. Oxalá que todos possamos ser actores para que o que venha a surgir seja um mundo mais dignamente humana e humanizante.

Queria aqui sobretudo falar do sofrimento actual, da Paixão actual do mundo. Não podemos celebrar a Semana Santa e sentir a dor pela Paixão de Cristo se ao mesmo tempo não sentirmos a dor com os crucificados da História.

Na verdade todos carregamos alguma cruz, nas costas ou no coração. Desde aquele que padece de uma doença incurável àquele idoso que está abandonado num lar sem que ninguém se responsabilize por ele, até àqueles que, pelo facto da sua condição social, são postos de parte ou até aqueles que pela sua luta contra a injustiça, a corrupção, nas suas variadas formas, sofrem perseguição, calunias, sequestros, mortes, enfim. O sofrimento, a cruz, a Paixão as suas variadas formas.

Na Paixão de Jesus estão assumidos e vividos todos os sofrimentos humanos, sejam eles quais forem, porque Jesus assume a morte como consequência de ter assumido tudo o que traz a Vida: alegrias, tristezas, conflitos, confrontos, solidão, traição, abandono… a cruz e a morte foram consequências da Sua forma de viver.

Jesus Cristo, porque a Sua estrutura era o Amor, assume um estilo de vida que rompe a lógica de competitividade para introduzir a lógica da fraternidade; rompe a lógica da estratificação da sociedade para conviver com todos: doentes, prostitutas, cobradores de impostos, publicanos… com todos os que na sua sociedade são desprezados e marginalizados; rompe também com uma vivência da religião que põe cargas pesadas, que exclui, e introduz a vivência de um Deus que é ABBA (pai, papi) para todos, sem exclusão.

Foi crucificado e morto pela Sua convicção de que era possível viver de outra maneira, de uma maneira que facilita mais o amor, a cordialidade, o perdão, a paz, a fraternidade, a abertura e a entrega a Deus e aos outros.

Isto implica denunciar situações de perversão da imagem de Deus, de desumanização, de marginalização e exclusão… tanto em estruturas, como em valores, em práticas e em ideologias.

A cruz, e portanto também o sofrimento pode ter dois significados. Por um lado, é a materialização do ódio, da violência, da rejeição, da auto-afirmação, em definitivo, da fragilidade e da liberdade humana rebelde. Mas a mesma cruz pode também significar o sentido de uma visa vivida em solidariedade, no amor, na confiança, no descentramento de si próprio, no perdão, no risco do abandono e da confiança a um Mistério superior… e vivendo assim a dor e o sofrimento transfiguram-se em Vida, a Vida a que chamamos Ressurreição.

A Paixão de Jesus não é passividade, nem exaltação do sacrifício, da dor, do sofrimento… è antes – como diz um autor – a insurreição contra tudo o que desumaniza, desintegra e envilece a dignidade do Homem.

A possibilidade de viver toda a dor e sofrimento unido à cruz de Jesus, a esse SIM pela Vida e Vida que não acaba com a morte, num acto de entrega e confiança a um Deus que nos criou por Amor e para o Amor pode humanizar aquilo que só por si é desumano.

Tanto o perdão, que é a forma dolorosa do Amor, por isso é o maior dom (per-dao) – como a confiança constituem as formas pelas quais não deixamos que o ódio, o desespero, o medo, a insegurança… fiquem com a última palavra na nossa vida. È o gesto supremo da grandeza do ser humano.

Podemos dizer também que a cruz e a morte revelam, na sua crueza, o sentido último do ser humano e a Vida.

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