Sensibilidade para ver, agradecer e empregar os talentos

“O reino dos céus será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.”
Mt 25, 14-29

Às vezes custa pôr a render os talentos por falta de fé: não acreditamos que façamos diferença, não acreditamos que consigamos alcançar algo. A sensibilidade para Deus faz-nos entender e acreditar que só temos de pôr a nossa pequena parte, porque Ele faz o resto.

Mas o que significa ver Deus em toda a parte? Como vê-lo em determinada situação?

Para ver a Deus nas coisas é preciso ter a sensibilidade desperta. Mas nós andamos anestesiados. A nossa sensibilidade para Deus está adormecida.

Podem vir propor-nos coisas, projectos, ideias, viagens, experiências que nos afastam de Deus, que nós nem sentimos nada. Não percebemos a perda por detrás dessas coisas, porque estamos anestesiados. A sensibilidade para Deus está adormecida.

E como adormecem os cristãos? Pois como as crianças, com histórias de embalar. Uma das preferidas, que já contei à minha filha, ocorreu-me através do nome de uma empresa da minha vila que se chama “Só Resolve”. Pois a história do Senhor Só Resolve é uma das mais apropriadas para adormecer um cristão. O Senhor só resolve não perdia tempo com o que não interessava. Resolvia tudo bem e depressa, sem complicar. O único problema era que se esquecia de agradecer. Agradecer a quem lhe tinha dado os dons, os recursos, a ajuda para o caminho. E de tanto se esquecer disto, o Senhor Só resolve atribuia a si próprio o mérito do que conseguia. E sempre que encontrava alguém começava a contar as suas realizações, que o enchiam de orgulho. Tornava-se chato e adormecia toda a gente e a si próprio. Hão de experimentar isto com os vossos amigos ou filhos. Um dia contei à minha filha pequena todos os pormenores do que pensava que tinha feito bem nesse dia e ela adormeceu mais depressa que nunca.

Hoje em dia muitas coisas parecem mais fáceis nos nossos esforços: mails, telemóveis, internet. E esquecemos quem está por detrás de todas estas conquistas.

Quando o Cristão não agradece adormece, adormece a sensibilidade para Deus. Porque ao atribuir a si mesmo os méritos do que consegue fica grande de mais para Deus caber nele.

Agora recordem-se de como é quando alguém nos agradece alguma coisa. Em vez de dormir despertamos. O que fazemos é o mesmo, mas porque em vez de nós o apontarmos é o outro a enunciar agradecendo, isso dá vida. Dá vida porque foi relação entre duas pessoas e não uma feira de vaidades do próprio. Mas é preciso que alguém saiba agradecer.

Agradecer desperta a sensibilidade para Deus.

E depois Deus vai falando, mesmo nos contratempos.

Quando cheguei à estação e o comboio tinha sido suprimido perguntei? E agora Senhor, o que me dizes sobre isto? Também falas nas coisas más? O que te digo é o que vês diz-me o Senhor. Comboios e facilidades não há sempre. Aprende a valorizar quando tens. Quando tens comboio e quando tens outras facilidades. Se tiveres sempre nem dás por eles, pelo bom que são.

Se começarmos a ver a Deus nas coisas percebemos que muitas das nossas dificuldades se desvanecem, passam a ser ocasião de renovar a fé.

Muitas das nossas dificuldades é porque não entendemos verdadeiramente as coisas e não temos a alegria correspondente. Jesus dizia aos discípulos: Ainda não entendestes nada (quando Pedro tentava dissuadir Jesus da cruz).

Sempre me custou entender que era no concreto da nossa vida que Deus nos chamava a amar, que não precisávamos de mudar nada, e que o caminho não passava por inventar coisas novas para fazer. Sempre fui tentando isto, mas sem perceber como gostaria de perceber.

Uma imagem que me ajudou a perceber um pouco mais foi a de uma bicicleta, porque estava atento ao olhar para ela…Nós pedalamos mas só se a corrente ligar o pedal ao centro de gravidade da roda é que a bicicleta anda. No centro da roda da nossa vida está Deus, tem de estar Ele. Por isso para andar é preciso estarmos ligados a ele. Os aros da roda são as várias dimensões da nossa vida, todas têm lugar, mas só Deus pode estar no meio da roda, a grande e única base da nossa auto estima e do nosso progresso no caminho.

E que tem isto a ver com amar no real das nossas vidas? Pois é que os aros, as várias dimensões da nossa vida, com que já estamos comprometidos, são a ligação à terra do centro da roda. É através deles que a rotação do centro se transmite à roda e a faz andar sobre a terra. Os aros já lá estão. Não temos de inventar outros. Esta é a nossa bicicleta e os nossos aros, não temos outros, e se não amarmos nas dimensões concretas da nossa vida a bicicleta não anda, a vida não anda.

Outra imagem que ajuda a perceber porque é que aplicar o amor nas dimensões concretas da nossa vida é a melhor forma de crescer na relação com Deus, é um banco.

Como é possível ver a Deus num banco?

Deus deposita. Temos de ter reservas mínimas (que nos esquecemos de repôr). Com o que Deus nos dá aplicamos. Se nos pusermos a inventar aplicações esquisitas acabamos como alguns bancos do  nosso país. O melhor é não ser gananciosos e atender às necessidades concretas das várias dimensões da nossa vida. Se o fizermos, isso vai render uma taxa – os frutos do amor. Mas não acaba aqui. Podemos viver só destes frutos e o banco cresce pouco porque não tem como investir mais. Agora se voltarmos a Deus e lhe dissermos: Obrigado Senhor, aqui tens o resultado do teu depósito, o mérito é teu e não meu, então o Senhor agradece e multiplica-nos por muito o amor e a confiança, porque vê que já entendemos as coisas. Que banco somos nós?

Ser banco não é tão fácil como se diz ou como parece. Porque criticamos os bancos se ainda mal sabemos fazer o mesmo com as nossas vidas?

Agradecer é o caminho para tomar consciência que Deus está, que sempre esteve, que se já chegámos aqui não nos abandonará agora, e que o nosso pequeno talento é quanto basta, se reconhecermos de onde veio, e o aplicarmos sabendo para onde vai.

Dá-nos Senhor sensibilidade para ver, agradecer e empregar os talentos, o muito que dás, cada dia, às nossas vidas.

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