“Grita em voz alta, sem te cansares.
Levanta a tua voz como uma trombeta.
Denuncia ao meu povo as suas faltas,
aos descendentes de Jacob, os seus pecados.
Consultam-me dia após dia,
mostram desejos de conhecer o meu caminho,
como se fosse um povo que praticasse a justiça
e não abandonasse a lei de Deus.
Pedem-me sentenças justas
querem aproximar-se de Deus.
Dizem-me: «Para quê jejuar,
se vós não fazeis caso?
Para quê humilhar-nos,
se não prestais atenção?»
É porque no dia do vosso jejum
só cuidais dos vossos negócios
e oprimis todos os vossos empregados.
Jejuais entre rixas e disputas,
dando bofetadas sem dó nem piedade.
Não jejueis como tendes feito até hoje,
se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto.
Acaso é esse o jejum que me agrada,
no dia em que o homem se mortifica?
Curvar a cabeça como um junco,
deitar-se sobre saco e cinza?
Podeis chamar a isto jejum
e dia agradável ao Senhor?
O jejum que me agrada é este:
libertar os que foram presos injustamente,
livrá-los do jugo que levam às costas,
pôr em liberdade os oprimidos,
quebrar toda a espécie de opressão,
repartir o teu pão com os esfomeados,
dar abrigo aos infelizes sem casa,
atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão.
Então, a tua luz surgirá como a aurora,
e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se.
A tua justiça irá à tua frente,
e a glória do Senhor atrás de ti.
Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá,
pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!»
Is. 58,1-9ª;
Querido irmãos, uma das atitudes a que somos chamados a cultivar neste tempo de Quaresma é o jejum. O jejum não por razões de dieta e de estética, como a cultura de hoje recomenda, mas por razão nobre: a sua referência a Cristo e a sua dimensão de solidariedade. Jejua-se porque Cristo, o Esposo, ainda não está totalmente presente em cada um de nós nem na sociedade em que vivemos. Mas também jejuamos para nos tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos e para assumirmos a nossa responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres e carenciados. E é curioso ver que no Antigo testamento também o sentido do jejum não fora bem entendido.
Prova disso é esta leitura em que o profeta alerta o povo para a falta de autenticidade com que vive; proclama o verdadeiro jejum e indica as consequências positivas da ligação do jejum à prática da justiça. O povo tinha regressado do exílio cheio de entusiasmo e de esperança. Mas as dificuldades eram grandes. Deus parecia surdo e indiferente às súplicas e ao culto do seu povo.
Mas o profeta alerta para a prática de um jejum misturado com injustiças sociais, e condena-o. O culto deve estar unido à solidariedade com os pobres. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na misericórdia para com os pobres e oprimidos.
Mas atenção: afirmar que o verdadeiro jejum e o verdadeiro culto consistem na caridade, não significa negar o valor dessas práticas, mas afirmar que elas têm sentido e valor em vista da mesma caridade. O jejum tem sentido e valor quando se torna expressão de amor a Deus e ao próximo. Por sua vez, o verdadeiro culto é relação com Deus, sem individualismo e falsidade.