Contemplar a vida

“Digo-vos pois: pedi e dar-se-vos-á; procurai e achareis, batei e abrir-se-vos-á; porque todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra e ao que bate, abrir-se-á”. 
Lc 11, 9-10

 

Há momentos em que a atitude de procura nos remete para mudanças estruturais, de fundo. A maior parte das vezes, porém, a procura joga-se dentro da nossa vida tal como ela está configurada. É a vida quotidiana que precisamos perfurar, é nela que precisamos abrir brechas para que um novo espírito a anime.

Antigamente (não foi assim há tantos anos, mas parece que foi noutra encarnação!), tirávamos fotos e quando o rolo chegava ao fim entregávamos numa loja para revelação em câmara escura, demorando o processo alguns dias; quando íamos levantar as fotos havia sempre grande expetativa (pois não sabíamos como tinham ficado) e a verdade é que acabávamos por ter muitas fotos (umas melhores, outras piores) impressas. Hoje, tiramos muito mais fotos, tentamos as vezes que for preciso até que fique bem, mas normalmente só imprimimos uma pequena percentagem das fotos que tiramos e temos os computadores cheios de fotos para as quais vagamente olhamos. Só quando perdemos algum tempo a olhar para as fotos que tirámos tomamos consciência daquilo que fizemos.

Muitas vezes vivemos a nossa vida na vertigem do mundo digital. Não gastamos tempo a contemplar a nossa vida e por isso não a saboreamos, nem a abrimos a outros dinamismos. E também não nos damos conta dos movimentos interiores, bons e maus, que a fazem mover.

A nossa vida, com tudo o que encerra de bom, de mau, de potencial, fica guardada numa pasta de computador a que não acedemos, que não contemplamos. Vamos vivendo a sucessão dos dias absorvidos pelas tarefas inadiáveis, sem saber por que nos levantamos e deitamos.

Precisamos levar a nossa vida para uma câmara escura de revelação para podermos sentir o pulso, perceber para onde nos estamos a mover, para podermos saborear, repensar, agradecer, prevenir, corrigir, decidir, alterar, arriscar.

Quando fazemos este exercício damo-nos conta da grandeza e ao mesmo tempo da fragilidade da nossa vida. Isto coloca-nos num patamar de autenticidade, de verdade. E é a partir daí que podemos crescer.

Ouvi um padre dizer que a nossa vida é como um iceberg: “só vemos o terço que está à superfície mas são os outros dois terços que estão debaixo de água que fazem mover todo o bloco”. Precisamos entrar na nossa vida interior, com tempo, com paciência, com delicadeza. Aí dentro descobriremos os movimentos do Espírito em nós, os nossos desejos, a nossa adesão a esses movimentos e as nossas resistências.

O nosso mundo interior é que comanda o exterior. Os nossos sentimentos à flor da pele de adesão ou rejeição de projetos, de opções, de pessoas, são fruto de movimentos que se passam no mais fundo de nós mesmos.

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