“Vieste aqui não para adquirir algo, mas para te libertares de muitas coisas”, disse um velho e experiente monge a um noviço que o procurara no mosteiro. Ontem lembrei-me destas palavras, quando voltei a entrar no eremitério, pela primeira vez desde há um ano. E o mesmo pensamento assomou à minha cabeça esta manhã, ao meditar sobre a passagem do Evangelho em que os discípulos pedem a Jesus: “Aumenta a nossa fé!” e Jesus replica: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda…”.
De repente este texto falou-me de uma forma diferente da interpretação habitual. Não estará Jesus a dizer-nos, com estas palavras: “Porque é que Me estais a pedir muita fé? Talvez a vossa fé seja “demasiado grande”. Só se ela diminuir, só se se tornar pequena como uma semente de mostarda, poderá dar o seu fruto e manifestar a sua força”.
Uma fé minúscula não tem de ser necessariamente apenas o fruto da pecaminosa falta de fé. Por vezes, “a pouca fé” pode conter mais vida e confiança do que a “grande fé”. Será que não podemos aplicar à fé aquilo que Jesus disse na parábola acerca da semente, que tem de morrer a fim de produzir grandes benefícios, porque desapareceria e não prestaria para nada se permanecesse imutável? Será que a fé não tem de passar também por um tempo de morte e de radical diminuição na vida do homem e ao longo da história? E se nós apreendermos esta situação segundo o espírito da lógica paradoxal do Evangelho, em que o pequeno prevalece sobre o grande, a perda é lucro e a diminuição ou redução significa abertura ao avanço da obra de Deus, não será porventura esta crise “o tempo da visitação”, o kairos, o momento oportuno?Talvez nós nos tenhamos precipitado ao atribuir uma conotação “divina” a muitas das “questões religiosas” a que já nos habituámos, quando, na verdade, elas são humanas – demasiado humanas, e só se forme radicalmente reduzidas é que a sua componente verdadeiramente divina entrará em jogo.
Um pensamento que há vários anos vinha germinando dentro de mim, como uma espécie de vago pressentimento, de repente explodiu de forma tão premente, que já não podia ser reprimido.
E como eu tenho uma preocupação perdurável não só por cristãos que têm um lugar fixo dentro da Igreja, mas também pelos buscadores espirituais fora da Igreja, ocorreu-me que nós talvez devamos, a essas pessoas em particular, essa “pouca fé”, se quisermos oferecer-lhes finalmente pão em vez de uma pedra. E tendo em conta o facto de que muitas das coisas a que já nos acostumámos excessivamente lhes são estranhas, não serão precisamente elas as pessoas mais inclinas para entender essa “pouca fé”?
Não, eu não estou a propor uma espécie de cristianismo “simplificado”, “brando”, “humanizado” e fácil, e ainda menos um romântico ou fundamentalista “regresso às origens”. Antes pelo contrário.!
Estou convencido que é precisamente uma fé temperada no fogo da crise, e livre daqueles elementos que são “demasiado humanos”, que se revelará mais resistente às tentações constantes de simplificar e vulgarizar a religião, para falar bem e depressa.
O oposta da “pouca fé” que eu tenho em mente é, precisamente, “credulidade”, a acumulação demasiado informal de “certezas” e construções ideológicas, até, por fim, não podermos ver a “floresta” da fé – a sua profundidade e o seu mistério -, tantas são as “árvores” dessa religião.
Juan Tomás Halík in “A noite do Confessor” (Ed. Paulinas)