“Deus é paz, salam”

“Sobre este monte, o Senhor do Universo há-de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos deliciosos: comida de boa gordura, vinhos puríssimos. Sobre este monte, há-de tirar o véu que cobria todos os povos, o pano que envolvia todas as nações; Ele destruirá a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbrio que pesa sobre o seu povo. Porque o Senhor falou. Dir-se-á naquele dia: «Eis o nosso Deus, de quem esperávamos a salvação; é o Senhor, em quem pusemos a nossa confiança. Alegremo-nos e rejubilemos, porque nos salvou. A mão do Senhor pousará sobre este monte”
Livro de Isaías 25,6-10a.


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Não tem sido fácil nos últimos tempos ver esta leitura tornar-se real no nosso mundo. No entanto, dei com esta notícia no Público que é, ao mesmo tempo, um exemplo do que acabei de dizer e, por outro lado, um sinal profético de enorme esperança:
“O Papa atravessou terra de ninguém, vigiada por milícias de um lado e de outro, para ir ao encontro de muçulmanos cercados pelas armas e pelo medo num enclave de Bangui, a capital massacrada da República Centro-Africana. Quis ir lá, apesar da insegurança, lembrar que “cristãos e muçulmanos são irmãos e irmãs” e que juntos devem repudiar “o ódio, a vingança e a violência, particularmente aquela que é feita em nome de uma religião ou do próprio Deus”.

A visita ao país, devastado nos últimos dois anos pela violência intercomunitária, “não seria completa se não incluísse um encontro com a comunidade muçulmana”, admitiu Francisco ao ser recebido na mesquita central de Bangui, situada no coração do PK5.

Foi naquele bairro que se acantonou a população muçulmana da cidade, forçada a abandonar as suas casas pela violência das milícias anti-balaka, grupos essencialmente cristãos formados em resposta às atrocidades cometidas pelas forças Séleka, uma coligação de rebeldes muçulmanos que governou o país entre Março e Dezembro de 2013. Aos massacres de cristãos, seguiram-se massacres de muçulmanos, provocando um êxodo desta minoria, que até então representava 15% da população da República Centro-Africana. Dos 122 mil muçulmanos que viviam em Bangui, não restarão mais de 15 mil, quase todos refugiados no PK5.

O cessar-fogo assinado no Verão de 2014 abriu caminho à transição, mas a violência regressou em Setembro passado, num ciclo de ataques e represálias que provocou já mais de uma centena de mortos e levou ao adiamento das eleições, previstas agora para Dezembro. O PK5 voltou a ser uma zona de guerra – na avenida que separa o enclave do bairro cristão mais próximo vêm-se apenas casas queimadas; numa ponta espreitam as barricadas dos anti-balaka que cercam o bairro e impedem a entrada de comida e a saída dos habitantes; na outra erguem-se barricadas montadas pelos grupos de autodefesa.

Foi esse pedaço de desesperança que Francisco quis percorrer na manhã desta segunda-feira, num jipe descapotável mas rodeado por guarda-costas, polícia e capacetes azuis das Nações Unidas. A missão de paz da ONU colocou também blindados com metralhadoras ao longo do percurso do papamóvel e snipers nos telhados dos minaretes do PK5. Apesar do aparato viram-se apenas sorrisos e braços estendidos em sinal de boas-vindas. “Pensávamos que todo o mundo nos tinha abandonado, mas ele não nos abandonou. Ele também nos ama, aos muçulmanos, e eu estou muito feliz”, disse à AFP Idi Bohari, um ancião que se juntou à multidão que se juntou à passagem do Papa.

Nos seis dias da sua primeira viagem a África, Francisco fez sucessivos apelos ao diálogo entre cristãos e muçulmanos, num momento em que as duas religiões estão em rápida expansão no continente e se multiplicam conflitos em que se cruzam rivalidades políticas, étnicas e religiosas. A etapa centro-africana era, por isso, essencial a uma deslocação que teve como palavra de ordem a reconciliação e o Papa não desistiu mesmo quando a França, que mantém no país um milhar de soldados, avisou que não poderia garantir a sua segurança.

Na mesquita central, como já na véspera num campo onde encontraram abrigo quatro mil cristãos fugidos à violência, Francisco insistiu que o conflito no país “não tem verdadeiros motivos religiosos”, mas é antes fruto de manipulações políticas. “Deus é paz, salam”, disse, usando o árabe do Corão, e repetiu que “aqueles que dizem acreditar em Deus, têm de ser homens e mulheres de paz”. “Cristãos, muçulmanos e os membros das religiões tradicionais viveram aqui em paz durante muitos anos. Devem, por isso, manter-se unidos para erradicar todos os actos que, venham donde vierem, desfiguram a face de Deus e cujo único objectivo é servir interesses particulares.”

Nos últimos dias, o imã Tidiani Moussa Naibi falara do PK5 como uma “prisão a céu aberto” – no bairro escasseia a comida, os residentes temem sair sequer para ir ao médico –, mas ao receber o Papa disse acreditar que o passado comum das duas comunidades será mais forte do que “as manobras dos que tentam manipulá-las”. “Os cristãos e muçulmanos deste país estão destinados a viver juntos e a amarem-se uns aos outros”, garantiu.

Dali, Francisco partiu para um estádio onde o esperavam 20 mil fiéis para a última eucaristia em solo africano. Aos cristãos pediu para serem “artesão da renovação humana e espiritual” de que o país precisa, para serem corajosos “no diálogo com os que são diferentes” e “no perdão” a quem lhes fez mal.

Num gesto que pode ser efémero, mas muito simbólico num país sangrado pela violência, um grupo de jovens muçulmanos, com t-shirts do Papa, saiu do PK5 numa caravana automóvel para assistir à missa e, ao chegarem ao estádio, foram aplaudidos pelos fiéis, conta a AFP. Francisco, que chegou a África como “peregrino da paz e da esperança”, deixou a República Centro-Africana pouco depois. Sorridente e a salvo.”

Como podemos ser também este sinal de reconciliação na nossa vida?

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